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Quando uma empresa investe em outra, é natural querer saber se esse investimento está gerando resultado. Mas como refletir isso de forma fiel nos demonstrativos contábeis? É aí que entra a equivalência patrimonial um método contábil que ajusta o valor do investimento com base resultados da empresa investida.
A equivalência patrimonial ainda gera dúvidas em muitos profissionais e empresários. É comum acreditar que ela trata apenas do lucro ou prejuízo da empresa investida, mas esse método vai muito além disso. Ele também reflete as variações do Patrimônio Líquido (PL) que não passam pela DRE da investida, garantindo que o investimento seja apresentado de forma fiel e completa nas demonstrações da investidora.
Parece complicado? Vamos explicar para que ela serve, quem precisa utilizá-la, quais normas regem o tema e como funciona o cálculo completo, do início do investimento ao impacto final no balanço.
O que realmente é a equivalência patrimonial?
A equivalência patrimonial é um método de avaliação de investimentos, aplicável quando a empresa detém controle ou influência significativa sobre outra sociedade.
O objetivo não é apenas registrar lucros ou prejuízos, mas espelhar no investimento todas as movimentações ocorridas no PL da investida, tais como:
1. Ajustes de avaliação patrimonial (reavaliação de ativos, hedge, etc.);
2. Ajustes decorrentes de outros resultados abrangentes (como reservas de reavaliação ou de conversão cambial);
3. Reclassificações diretas no PL, que não passam pela DRE da investida.
Dessa forma, o investimento é corrigido não só pelo resultado operacional, mas por qualquer mudança relevante no valor patrimonial da empresa participada.
Por que existe a equivalência patrimonial?
A equivalência patrimonial garante que a empresa investidora reconheça, nos seus relatórios financeiros, a parcela de lucros ou prejuízos da empresa e variações do ocorridas no patrimônio líquido na qual ela tem participação.
Por exemplo, se você detém 30% de uma coligada, 30% do lucro ou prejuízo dessa coligada precisa ser refletido no valor do investimento no seu balanço e, consequentemente, no seu resultado. Assim, a contabilidade espelha a realidade econômica do investimento, mesmo que você ainda não tenha recebido dividendos.
Quem está obrigado a fazer equivalência patrimonial?
Esse procedimento não é uma opção, mas sim uma obrigação legal para determinadas empresas e situações, conforme os seguintes cenários:
Empresas sujeitas à Lei das S.A.
A Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações) determina, em seu artigo 248, que os investimentos relevantes em controladas ou coligadas devem ser avaliados pelo método da equivalência patrimonial, tanto para fins de demonstrações contábeis individuais quanto para a elaboração de demonstrações consolidadas.
Empresas com controle ou influência significativa
Controle: Quando a empresa investidora detém, direta ou indiretamente, o poder de direcionar as políticas financeiras e operacionais da investida, geralmente pela posse da maioria do capital votante.
Exemplo: Uma empresa detém 60% do capital votante de uma subsidiária.
Influência significativa: Presume-se quando a empresa detém 20% ou mais do capital votante da investida, salvo prova em contrário (CPC 18). Entretanto, mesmo com participação inferior a 20%, pode existir influência significativa se a investidora tiver:
– Representação no conselho de administração ou comitês de gestão da investida;
– Participação nos processos de decisão, políticas operacionais ou financeiras;
– Transações relevantes com a investida ou troca de executivos;
– Dependência tecnológica ou estratégica entre as empresas.
Controladoras e Coligadas
Para fins de demonstrações consolidadas, controladoras e coligadas são obrigadas a aplicar a equivalência patrimonial em suas participações. O objetivo é evitar distorções, garantindo que os resultados e o patrimônio da investida sejam reconhecidos proporcionalmente ao percentual detido pela investidora.
Empresas que participam de joint ventures
Participações em joint ventures (empreendimentos conjuntos), em que a investidora exerce controle conjunto com outros sócios, também devem ser avaliadas pelo método da equivalência patrimonial, de acordo com as orientações do CPC 19 (R2), alinhado ao IFRS 11.
Empresas não obrigadas
Nem todas as empresas são obrigadas a aplicar equivalência patrimonial. Por exemplo:
– Participações não relevantes ou em empresas sem influência significativa são avaliadas pelo custo ou valor justo (CPC 48 – Instrumentos Financeiros).
– Empresas optantes pelo Simples Nacional, na maioria dos casos, não são obrigadas a utilizar o método, já que não seguem a Lei das S.A. na íntegra.
Qual norma contábil regula o tema?
O principal regulamento no Brasil é o CPC 18 (R2) – Investimento em Coligada, em Controlada e em Empreendimento Controlado em Conjunto, que segue a base do IAS 28.
Além disso, o CPC 26 (R1) – Apresentação das Demonstrações Contábeis e a Lei das S.A. (arts. 248 a 250) reforçam a forma de apresentação e divulgação.
Impacto no Resultado (DRE) e no Patrimônio Líquido (PL)
Um equívoco recorrente é acreditar que toda variação do patrimônio líquido da investida impacta automaticamente o resultado da investidora. Na prática, o efeito depende da natureza da variação na investida.
Impacto na DRE
A parcela proporcional do lucro ou prejuízo apurado pela investida é reconhecida no resultado da investidora, por meio da conta de “Equivalência Patrimonial” na DRE.
Exemplo: Se a investidora detém 30% de participação em uma coligada que lucrou R$ 100.000, ela reconhece R$ 30.000 como receita de equivalência patrimonial em sua DRE.
Impacto direto no PL (sem passar pela DRE)
Nem todas as movimentações do PL da investida afetam o resultado da investidora.
Variações que ocorrem diretamente no PL da investida, sem transitar pela DRE (como reservas de reavaliação de ativos, ajustes de conversão de moeda estrangeira ou outros ajustes de avaliação patrimonial), não impactam a DRE da investidora.
Nessas situações, a investidora apenas ajusta o valor contábil do investimento em seu Ativo Não Circulante (Investimentos) e, em contrapartida, registra a variação em seu próprio PL, sem afetar seu resultado do período.
Exemplo Prático
– Lucro na investida:
A coligada lucra R$ 100.000 no período.
A investidora (com 30% de participação) reconhece R$ 30.000 de receita de equivalência patrimonial na sua DRE, aumentando também o valor do investimento no balanço.
– Reserva de reavaliação (sem impacto na DRE):
Se a investida registra R$ 50.000 em reserva de reavaliação de ativos, a investidora ajustará seu investimento em R$ 15.000 (30%), sem registrar receita na DRE. Esse valor será contabilizado diretamente no PL (em conta de Ajustes de Avaliação Patrimonial ou equivalente).
Por que isso acontece?
A equivalência patrimonial busca refletir a realidade econômica da participação societária, garantindo que a investidora reconheça:
Resultados operacionais e financeiros da investida na sua própria DRE (quando há lucro ou prejuízo).
Variações patrimoniais da investida (como reservas, ajustes de avaliação e outros componentes do PL) diretamente em seu patrimônio líquido, preservando a integridade da DRE.
E o saldo negativo?
Um dos pontos que gera dúvidas na aplicação da equivalência patrimonial é a situação em que o valor contábil do investimento se aproxima de zero ou pode se tornar negativo.
Quando o investimento chega a zero
Ao longo do tempo, se a investida acumula prejuízos e a participação proporcional da investidora nesses prejuízos for suficiente para zerar o valor contábil do investimento (registrado no ativo não circulante), a investidora não deve continuar reconhecendo perdas adicionais.
Isso ocorre porque, na prática, a investidora não pode reduzir um ativo além de seu valor contábil sem que haja uma obrigação concreta.
Exceção: obrigação de cobrir prejuízos
Se houver uma obrigação legal, contratual ou tácita de cobrir os prejuízos da investida, a situação muda:
A investidora continua reconhecendo as perdas mesmo após o investimento ter sido zerado, o que gera um saldo negativo.
Esse saldo não permanece no grupo de investimentos, mas é reclassificado para o passivo, geralmente na conta “Provisão para perdas em investimentos”, representando uma obrigação futura de aporte ou cobertura.
Amparo normativo (CPC 18, R2 – item 39)
O CPC 18 (R2) é explícito sobre esse tratamento:
“Quando a participação do investidor em uma investida for reduzida a zero, o investidor deve deixar de reconhecer sua participação em perdas adicionais, a menos que tenha incorrido em obrigações legais ou construtivas ou efetuado pagamentos em nome da investida.”
Exemplo Prático
Cenário 1 – Sem obrigação:
Uma investidora possui 40% de participação em uma coligada. Seu investimento inicial era de R$ 100.000. A coligada acumula prejuízos, e a parcela atribuível à investidora chega a R$ 100.000.
Resultado: O investimento é reduzido a zero. Perdas adicionais não são registradas.
Cenário 2 – Com obrigação contratual:
Utilizando o mesmo exemplo, mas com um acordo contratual onde a investidora se compromete a cobrir prejuízos, se a investida tiver mais R$ 20.000 de perdas, a investidora reconhecerá R$ 20.000 no passivo, como provisão, refletindo uma obrigação futura.
Por que isso é importante?
O controle do saldo negativo é essencial para:
Evitar superestimativas de perdas quando não existe obrigação da investidora;
Evidenciar riscos e obrigações reais, garantindo que os passivos potenciais sejam reconhecidos apenas quando legalmente ou contratualmente exigíveis;
Manter a transparência contábil, distinguindo perdas operacionais da investida de responsabilidades efetivas da investidora.
Cálculo completo e lançamentos contábeis
Vamos a um exemplo completo, considerando lucro, prejuízo, movimentações no PL e dividendos:
1. Investimento inicial:
Empresa A compra 30% da Empresa B por R$ 100.000.
D – Investimentos em Coligadas – 100.00
C – Caixa/Bancos – 100.000
2. Resultado da investida:
Lucro da B: R$ 50.000 ? participação A: R$ 15.000.
D – Investimentos em Coligadas – 15.00
C – Receita de Equivalência Patrimonial – 15.000
3. Movimentações diretas no PL:
Empresa B registra uma reserva de reavaliação de R$ 20.000.
A empresa A reconhece 30%: R$ 6.000.
D – Investimentos em Coligadas – 6.000
C – Ajuste de Avaliação Patrimonial (PL) – 6.000
(Esse lançamento não afeta a DRE da A.)
4. Dividendos recebidos:
Empresa B distribui R$ 10.000 em dividendos para A.
D – Caixa/Bancos – 10.000
C – Dividendos recebidos de Coligadas(Investimentos) – 10.000
Importante: O recebimento de dividendos não afeta a DRE, pois o resultado já foi reconhecido pelo método da equivalência patrimonial. A função dele é reduzir o saldo de equivalência, umas vez que o resultado foi realizado.
5. Prejuízo futuro:
Empresa B tem prejuízo de R$ 40.000 ? A reconhece R$ 12.000.
D – Despesa com Equivalência Patrimonial – 12.000
C – Investimentos em Coligadas – 12.000
Importante: Caso exista saldo de equivalencia positiva o prejuízo deve ser lançado no ativo até o limite do saldo positivo de equivalência, quando o saldo negativo (prejuízo) for superior ao saldo de equivalência positiva então o valor deverá ser contabilizado no passivo quando se encaixar nas situações acima citadas.
Por que isso impacta os resultados?
A equivalência patrimonial é muito mais do que um “cálculo de lucro”. Ela revela a realidade econômica da participação societária, refletindo todo o desempenho patrimonial da investida.
Esse método impacta não só a DRE, mas também o patrimônio líquido e a capacidade da empresa de distribuir dividendos, já que o lucro contábil final é ajustado por essas variações. Por isso, empresas com grandes participações em coligadas precisam acompanhar de perto, pois:
– Lucros das investidas aumentam o resultado da investidora.
– Prejuízos podem derrubar o lucro contábil, impactando indicadores como EBITDA e a distribuição de dividendos.
Seja para grandes grupos econômicos ou para empresas com apenas uma coligada, a equivalência patrimonial é fundamental para uma contabilidade transparente e estratégica. Ela garante que as participações societárias sejam avaliadas em sua essência econômica, incluindo lucros, perdas e até variações no PL.
Entender a fundo como ela funciona permite decisões mais seguras sobre manter, vender ou reforçar investimentos.