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A Reforma Tributária deixou de ser promessa e já é realidade jurídica. A partir de 1º de janeiro de 2026, inicia-se a fase de transição operacional obrigatória para o novo modelo de tributação do consumo no Brasil, com a adoção simultânea dos tributos atuais e dos novos: CBS e IBS.
Este artigo explica, de forma técnica, prática e juridicamente fundamentada:
- O impacto real nas notas fiscais eletrônicas em 2026;
- Alíquotas oficiais da CBS e do IBS válidas para o primeiro ano de testes (2026);
- Como devem ser realizados os cálculos e o destaque dos tributos nas NF-e;
- As obrigações acessórias que precisarão ser revistas desde já;
- Quem estará de fato sujeito ao split payment;
- E por que a revisão de sistemas, processos e contratos deve começar imediatamente.
1. O Que Entra em Vigor em 2026? A Transição Já É Obrigatória
A Emenda Constitucional nº 132/2023 determinou que em 2026 será implementado o chamado regime de transição para os novos tributos:
Item | Início | Detalhamento |
---|---|---|
CBS (Contribuição federal) | 1º de janeiro de 2026 | Alíquota teste de 0,9% |
IBS (Imposto estadual/municipal) | 1º de janeiro de 2026 | Alíquota teste de 0,1% |
Fim total dos tributos antigos | 2033 | Após período de convivência gradual |
Portanto, a partir de 2026, será obrigatória a tributação em dois regimes:
- Regime atual (PIS, COFINS, ICMS, ISS, IPI)
- Regime novo (CBS e IBS com alíquotas de teste obrigatórias)
2. Alíquotas Oficiais para 2026 (Art. 9º da EC 132/2023)
A Emenda Constitucional nº 132/2023, que institui o novo sistema tributário brasileiro, estabeleceu no art. 9º as alíquotas oficiais de referência da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) que deverão ser utilizadas obrigatoriamente a partir de 2026, ainda durante o período de transição.
Segundo a Emenda Constitucional:
- CBS (Federal): 0,9%
- IBS (Estadual/Municipal): 0,1%
Essas alíquotas não representam ainda o valor total do imposto na nova sistemática (que será mais elevado ao fim da transição), mas sim valores simbólicos com efeito operacional, financeiro e sistêmico, válidos apenas em 2026.
Possuem três funções essenciais dentro da transição tributária:
I.Testes Operacionais e Sistêmicos Obrigatórios
Mesmo que os tributos ainda estejam em fase de transição em 2026, todos os contribuintes estarão obrigados a destacar nas notas fiscais.
Esse destaque visa permitir:
* A homologação técnica dos sistemas de emissão de notas;
* A integração entre sistemas contábeis, ERPs e plataformas de pagamento;
*A preparação das administrações tributárias (federal, estaduais e municipais) para o novo modelo.
Importante: mesmo sendo testes, o recolhimento será real e exigirá controle contábil e escrituração correta.
II. Cálculo de Créditos Presumidos na Transição
Para que os contribuintes não sejam duplamente onerados durante a transição, a EC 132/2023 garante que o valor recolhido a título de CBS e IBS gerará créditos presumidos, que poderão ser usados para abatimento dos tributos antigos (PIS, Cofins, ICMS, ISS).
Ou seja, a empresa recolhe os tributos novos em alíquotas reduzidas, mas tem direito a recuperar parte desses valores no sistema atual, as regras de compensação serão definidas por lei complementar.
III. Simulações e Planejamento da Transição Tributária
Além da função prática de arrecadação e testes, as alíquotas de 2026 também serão referência para projeções contábeis e estratégicas. As empresas poderão:
– Estimar o impacto real da reforma tributária sobre seus preços e margens;
– Comparar os custos do sistema atual com o novo modelo;
– Planejar ajustes em contratos, sistemas de precificação e estrutura fiscal.
Atenção: As Alíquotas Definitivas Serão Muito Maiores
Essas alíquotas de 0,9% (CBS) e 0,1% (IBS) não representam o valor final da carga tributária no novo sistema. Elas são provisórias e simbólicas, válidas apenas para 2026. A alíquota-padrão definitiva, que substituirá PIS, Cofins, ICMS e ISS, será definida por lei complementar e deverá girar, segundo estimativas oficiais, entre 25% e 27% sobre o valor da operação.
Apesar de parecerem simbólicas, as alíquotas de 2026 marcam o início prático da Reforma Tributária. As empresas precisarão ajustar seus sistemas de emissão fiscal, capacitar equipes e organizar seus controles contábeis e financeiros para lidar com dupla tributação, recolhimento em paralelo e apuração de créditos.
Não se trata apenas de um teste: é o primeiro passo para a maior transformação tributária das últimas décadas no Brasil.
3. Como Devem Ser Emitidas as Notas Fiscais com CBS e IBS em 2026?
Estão obrigadas todas as empresas que:
– Realizam operações tributáveis de bens ou serviços;
– Estão obrigadas à emissão de documentos fiscais eletrônicos (NF-e ou NFS-e);
– Não sejam optantes pelo Simples Nacional, ou, se forem, tenham optado pelo regime compartilhado.
A legislação e a minuta da Lei Complementar em tramitação determinam que os valores de CBS e IBS deverão ser destacados separadamente em campos próprios da nota fiscal, e não embutidos no preço.
Isso significa que o valor dos tributos deverá ser:
1. Visível na nota fiscal;
2. Identificável por linha ou campo específico;
3. Calculado com base no valor da operação.
Ponto de atenção:
Isso significa que o valor dos tributos deverá ser sempre destacado separadamente na nota fiscal, com base sobre o valor sem impostos.
O que é o modelo por fora?
No modelo por fora, o valor do tributo é destacado separadamente do preço da mercadoria ou serviço. Ou seja, o preço da operação é líquido (sem o imposto), e o imposto é somado ao valor final da nota fiscal.
? Exemplo – Modelo por fora:
– Preço do produto: R$ 1.000,00
– Alíquota do imposto (ex: 10%):
– Imposto: R$ 100,00
– Valor total da nota fiscal: R$ 1.100,00
A empresa deverá recolher os R$ 100,00, conforme definido pelo art. 18 da EC 132/2023, e a União devolverá este valor em forma de crédito presumido no sistema atual, portanto não há impacto cumulativo em termos de carga tributária, mas o impacto é contábil, financeiro e sistêmico.
Esse modelo é considerado mais transparente e é o adotado na CBS e no IBS, segundo o novo sistema da reforma tributária.
4. Como Calcular a CBS e IBS a partir de 2026?
Etapas obrigatórias para cálculo e escrituração dos novos tributos:
1. Identifique a base de cálculo da operação (valor bruto da venda/serviço sem descontos).
2. Multiplique pela alíquota de teste:
CBS: 0,009 (0,9%)
IBS: 0,001 (0,1%)
Informe separadamente os dois valores na NF-e ou NFS-e.
Apure os tributos mensalmente.
Compense os valores pagos por meio de crédito presumido nos tributos atuais (apuração de PIS/COFINS ou ICMS/ISS).
Recolha nos prazos definidos em lei complementar futura (prevista para 2025).
5. E o Split Payment? Quem estará obrigado?
O split payment ou pagamento dividido será implantado com força total para a CBS e IBS como ferramenta central para garantir o recolhimento automático dos tributos sobre o consumo, a partir da entrada definitiva do modelo (entre 2026 e 2033), conforme o art. 18, §6º da EC 132/2023 e minuta da Lei Complementar em debate no Congresso.
– Quem estará obrigado ao split payment:
A obrigatoriedade do split payment recairá sobre empresas que realizam transações com intermediação financeira ou vendem para outras empresas (pessoas jurídicas). Veja os principais casos:
1. Pagamentos por meio de intermediadores financeiros
Estarão sujeitos ao split payment os valores recebidos através de:
Cartão de crédito ou débito
Boleto bancário
PIX via gateway de pagamento
Carteiras digitais (ex: Mercado Pago, PagSeguro, etc.)
Bancos e adquirentes
Nesses casos, o intermediador será obrigado a reter automaticamente os valores correspondentes ao CBS e IBS no ato da liquidação financeira e repassar diretamente aos cofres públicos, sem transitar pela conta do vendedor.
2. Emissão de nota fiscal contra pessoa jurídica (vendas B2B)
As operações entre empresas (B2B) também poderão ser obrigadas a adotar o split payment, mesmo sem uso de cartão ou boleto, desde que:
A nota fiscal seja emitida com destaque de CBS e/ou IBS;
O destinatário seja contribuinte desses tributos.
Essa medida visa reduzir inadimplência e garantir o recolhimento direto na origem da transação.
– Quem está dispensado:
Algumas operações estarão dispensadas do uso do split payment, conforme previsto na minuta da Lei Complementar:
1. Vendas para consumidor final (pessoa física), pagas sem intermediação
Operações realizadas em dinheiro, cheque ou transferência direta entre contas (sem bancos intermediadores) não serão submetidas ao pagamento dividido.
2. Empresas do Simples Nacional
Durante o período de transição (2026 a 2032), as empresas optantes pelo Simples Nacional estarão dispensadas do split payment, conforme previsto na proposta de alteração da Lei Complementar nº 123/2006.
Importante: Essa dispensa vale apenas se a empresa permanecer no regime atual. Caso opte pelo regime compartilhado, o split payment poderá ser exigido.
Como Funciona o Split Payment na Prática?
O processo será automático e gerenciado pelo intermediador do pagamento, que executará as seguintes etapas:
– Receber o valor da venda do consumidor;
– Calcular a parte referente à CBS e IBS, com base na alíquota aplicável;
– Reter e separar automaticamente os valores tributários;
– Repassar os tributos diretamente à União (CBS) ou ao Comitê Gestor do IBS.
O vendedor receberá o valor líquido do tributo, sem a necessidade de fazer o recolhimento posteriormente.
Ponto de atenção:
A proposta do modelo por fora, adotado na Reforma Tributária (EC 132/2023) para os novos tributos CBS e IBS, exige que os valores de imposto sejam destacados separadamente na nota fiscal, e que o recolhimento seja feito pelo intermediador financeiro (como operadoras de cartão, bancos e gateways de pagamento).
Contudo, O intermediador financeiro não tem acesso à nota fiscal. Ele apenas liquida valores financeiros.
Se o vendedor emitir a nota fiscal com base no valor da venda (por exemplo, R$ 5.000,00) e destacar 10% sobre esse valor (R$ 500,00), mas a operadora aplicar a alíquota de 10% sobre o total creditado (R$ 5.500,00), ocorrerá inconsistência de R$ 50,00, e o vendedor terá recolhimento superior ao declarado.
A Solução Correta na Prática: “Brutalizar” a Base
Para garantir congruência entre o valor destacado na nota e o valor que será retido pela operadora, o cálculo da base da nota fiscal precisa ser feito de forma “brutalizada”, isto é:
O valor líquido desejado precisa ser ajustado com base na alíquota final que será aplicada pela operadora.
Fórmula do Cálculo Correto:
Exemplo com Alíquota de 10% (CBS + IBS)
Suponha que o prestador deseje receber exatamente R$ 5.000,00 líquidos, sabendo que a operadora de pagamento aplicará 10% de retenção (CBS + IBS) via split payment.
A base correta para emissão da nota fiscal será:
Valor da nota fiscal (base + tributo): R$ 5.555,56
Imposto retido via split (10%): R$ 555,56
Valor líquido creditado ao vendedor: R$ 5.000,00
Assim, a operadora aplica o percentual sobre o valor bruto recebido, sem precisar consultar a nota fiscal, e o valor do imposto retido coincide perfeitamente com o destaque fiscal.
Por que essa é a solução mais viável?
Evita a necessidade de integração em tempo real entre operadoras e sistemas de nota fiscal;
Minimiza o tráfego e processamento de dados entre plataformas financeiras e tributárias;
Reduz o risco de divergência entre valor retido e valor declarado;
Preserva a lógica do modelo por fora, em que o imposto é transparente e destacado;
Permite ao contribuinte controlar sua precificação com exatidão.
Considerações Técnicas Adicionais
Essa sistemática precisará ser normatizada nos manuais técnicos das NF-e/NFS-e, orientando os contribuintes sobre como “brutalizar” a base corretamente;
Será necessário ajustar ERPs, PDVs e plataformas de e-commerce para aplicar essa fórmula de forma automática, evitando erros manuais;
A alíquota efetiva a ser usada na fórmula deve considerar a soma total de CBS e IBS, conforme determinado para a operação;
Essa metodologia já é usada amplamente por grandes redes de varejo e serviços em retenções de ISS e IRRF, e agora será a lógica padrão com o split tributário.
O modelo mais seguro e realista de operar com split payment na prática será o seguinte:
O vendedor ajusta o valor da base de cálculo de forma que, quando a operadora aplicar a alíquota, o valor líquido recebido seja o desejado e o tributo retido coincida com o destacado na nota sem necessidade de cruzamento de sistemas.
6. Obrigações Acessórias: a Transição Será Técnica e Profunda
Embora as novas obrigações acessórias ainda dependam de regulamentação por lei complementar, a EC 132/2023 já antecipa:
- Haverá declaração única nacional para CBS e IBS;
- Esta obrigação será baseada na emissão da nota fiscal eletrônica, ou seja, erro na emissão = erro na apuração;
- Os sistemas precisarão estar aptos a:
- Emitir NF com os novos campos (layout estendido);
- Calcular os tributos com precisão;
- Exportar dados compatíveis com os sistemas da Receita Federal e Comitê Gestor do IBS.
Ponto crítico:
Empresas com sistemas legados ou ERPs não atualizados terão dificuldades já em janeiro de 2026, e poderão enfrentar:
- Glosas de créditos presumidos;
- Inconsistências na escrituração;
- Multas automáticas por falta de entrega das declarações.
7. O Que Fazer Agora? Checklist de Adequação Imediata
? Atualização de ERP e sistemas fiscais com suporte a CBS e IBS
? Treinamento das equipes fiscal, contábil e de TI
? Mapeamento de produtos e serviços com reflexo na base de cálculo dos novos tributos
? Ajustes contratuais com fornecedores, clientes e meios de pagamento, prevendo o split payment
? Simulações mensais com os dois regimes (atual e novo)
? Estudo do impacto financeiro do split payment no fluxo de caixa
? Acompanhamento das leis complementares e regulamentos técnicos publicados até 2025.
Segurança Fiscal Se Constrói com Antecedência
A fase de testes obrigatórios da CBS e IBS, que terá início em 2026, não é apenas uma formalidade simbólica. Trata-se do marco inaugural da transição tributária no Brasil um verdadeiro divisor de águas entre empresas estrategicamente preparadas e aquelas que serão pegas de surpresa em meio ao caos operacional.
Empresas que se preparam desde já terão:
Vantagem competitiva ao internalizar as regras antes dos concorrentes;
Menos riscos operacionais e autuações;
Condições de simular e ajustar seus preços de forma estratégica;
Capacidade de recuperar créditos de maneira eficaz durante a transição.
Segurança fiscal não se constrói em cima da hora, e muito menos com improviso. Ela exige planejamento, domínio técnico e integração entre tecnologia, contabilidade e gestão.